Blues, o Lamento da Alma

“O blues não é nada além de um bom homem se sentindo mal".

Nenhuma definição pode ser tão perfeita quando o título deste antigo blues. Nascido nas colheitas de algodão ao longo do delta do rio Mississippi, nos Estados Unidos, este gênero musical é a expressão perfeita da melancolia. Não à toa, bebidas e amores desfeitos são temas constantes. Inicialmente, o blues tinha como principal função aliviar o duro trabalho imposto aos escravos. Os primeiros relatos em que o termo "blues" aparece datam de 1862. A origem do termo é incerta, mas seu significado mais próximo é sem duvida o equivalente ao que conhecemos como "melancolia/banzo". Ele podia ser ouvido tanto nas plantações quanto nas senzalas. Vem daí algumas de suas características marcantes, como o canto rude e melancólico. Diferentemente do jazz, que sofreu influências da música europeia, o blues soube se manter "cru" ao longo dos anos.

O nascimento do blues deve-se a uma série de fatores culturais e sociais. Com o fim da guerra civil americana e a consequente libertação dos escravos, os negros se dispersaram e em alguns casos se tornaram agricultores de suas próprias terras. O que antes era entoado em coro como "worksongs" (canções de trabalho) deu lugar a um cultivador solitário, guiando sua mula ou puxando seu arado e improvisando cantos. Mas nem todos se tornaram agricultores. Muitos migraram para a cidade e levaram para lá esta forma de canto que se desenvolveu nos campos. O aparecimento deste novo proletariado teve como consequência direta a grande procura por divertimentos: lojas de bebidas, salas de jogos, casas de prostituição - locais onde a música dava a tônica.

Foi por esta época que começou a surgir a figura do "songster"- ou cantador. Não raramente cego ou aleijado, passava de vila em vila cantando seus problemas com a lei, a falta de emprego ou lamentando a mulher que o deixara. Misto de vagabundo e artista, ele costumava trocar suas histórias por comida, um lugar para dormir ou uma garrafa de uísque. O cantor tocava também um instrumento para marcar o ritmo e fazer dançar. Este instrumento, porém, tinha de ser do tipo que ele pudesse carregar em suas peregrinações. Inicialmente a preferência era o banjo ou o violino. Gradualmente, entretanto, estes instrumentos foram substituídos por uma guitarra leve, prática e barata, muito mais completa que o violino e muito mais flexível que o banjo.

Enquanto o negro americano tentava se adaptar à condição de liberto, ele sofria com a forte segregação racial cada vez mais evidente. Um de seus consolos se tornou o pastor negro que adaptava as lições da Bíblia a uma visão muito pessoal e voltada para a sua comunidade. Na igreja, os negros tentavam transcender a dura realidade e entoavam cânticos que muito lembravam as worksongs. E foi assim que em algum lugar do século 20 - do fazendeiro solitário entoando suas canções, do cantor itinerante disseminando suas baladas e do pregador inflamando seus fiéis com cânticos - surgiu O Blues.